Cada portfólio é uma criação única porque o aluno seleciona as evidências de aprendizagem e inclui reflexões sobre o processo desenvolvido (Barton; Collins, 1997, p. 3 apud Villas Boas, 2007, p. 26).
A Alegoria da Caverna
A Alegoria da Caverna foi o eixo sobre o qual discutimos na disciplina Tópicos Especiais em Filosofia da Educação ao longo deste semestre (2025-1) na Universidade de Brasília (UnB) os enlaces entre a religião, a ciência e o poder político (e obviamente por traz desse, o poder econômico). Filmes como Alexandria (Àgora); textos como O medo de ser livre provoca o orgulho em ser escravo, Gaiolas e Asas; músicas como Procissão, Cidadão; entre outras produções do cinema, da música e da literatura, forneceram subsídios para nossas reflexões sobre o tema a partir da Alegoria da Caverna, algumas delas socializadas por meio deste portfólio. Aqui cabe esclarecer que Alexandria traz um recorte a partir do Cristianismo haja vista ter sido a base da construção da sociedade ocidental contemporânea, porém o uso da religião com fins políticos perpassa a humanidade em todos os tempos e culturas, uma vez que o Sagrado está intimamente ligado a percepção da nossa condição humana e sendo assim, para os inescrupulosos, sempre foi visto como uma oportunidade de manipulação política. Portanto, não é nossa intensão, em hipótese alguma, desmerecer as religiões, mas sim que tenhamos um olhar clítico sobre aqueles que se colocam adiante delas.
Na Alegoria da Caverna, Sócrates instiga Glauco a imaginar as coisas que descreve e assentir as conclusões do próprio Sócrates a respeito da visão da realidade que seria possível a pessoas naquelas condições e já logo no início as coloca como semelhantes a nós. As falas de Glauco foram subtraídas intencionalmente no diálogo para que imaginemos o que é proposto por Sócrates e tiremos nossas próprias conclusões, concordando ou discordando do filósofo, porém, no segundo caso faz-se necessário que nossa discordância seja sustentada por argumentos potencialmente válidos. Potencialmente porque, se estamos discutindo a interpretação do mundo a nossa volta, impor nossas verdades seria o mesmo que tentar aprisionar nossos interlocutores na caverna.
Sócrates:
[...]Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que aos longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas. [...] Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio. [...] achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte? [...] E como as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo? [...] Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tornariam por objetos reais as sombras que veriam? [...] E se a parede do fundo da prisão provocasse eco, sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles? [...] Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados. [...] Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curadas da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos esses movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora? [...] E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe apresentam. [...] E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras? [...] Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e a sua luz. [...] Por fim, suponho eu, será o Sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal como é. [...] Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram? [...] E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples criado de charrua, a serviço de um pobre lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia? [...] Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol? [...] E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que os seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se a alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?
Créditos:
Imagem: Alegoria da Caverna de Platão e Conscienciologia. Disponível em: www.reaprendentia.org/alegoria-da-caverna-de-platao-e-conscienciologia/?gad_source=1&gad_campaignid=10687651137&gbraid=0AAAAADLdJq1qhTYdggk7sefCrUyOFUUB5&gclid=CjwKCAjw7MLDBhAuEiwAIeXGIZNaMuKEB2B--zCRt48hu5zK9tj88qBI-bKBKTtACFge7jodzoZFtxoCdMcQAvD_BwE . Acesso em: 11 jul. 2025.
Texto: A Alegoria da caverna / Platão. In: Platão. A república. Trad. de Enrico Corvisieri. São Paulo: Nova Cultural, 1997, p. 225-8. . Disponível em: izabelahendrix.edu.br/humanidades1/conhecimento-e-saber/artigos/arquivos/alegoria_caverna.pdf . Acesso em: 11 jul. 2025.
Referência:
VILLAS BOAS, Benigma Maria de Freitas. Módulo III: A avaliação na escola. Brasília, DF: Universidade de Brasília, 2007. Disponível em: https://gepaeufu.wordpress.com/wp-content/uploads/2014/03/a-avaliac2bac3bao-na-escola-benigna.pdf. Acesso em: 11 jun. 2025.
TEF 0006 Cinema Música Literatura