A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL E AS INOVAÇÕES NA EDUCAÇÃO

“A minha alma tá armada e apontada

Para cara do sossego!

Pois paz sem voz, paz sem voz

Não é paz, é medo!

Às vezes eu falo com a vida

Às vezes é ela quem diz

Qual a paz que eu não quero conservar

Pra tentar ser feliz?”

O Rappa

1 INTRODUÇÃO

Inovação no senso comum tornou-se sinônimo de novas tecnologias, sobretudo aquelas referentes a informação e comunicação (TIC), e no campo educacional destacam-se os softwares educativos. Em que pese o potencial dessas ferramentas na mediação de processos de aprendizagem, não representam por si mesmas inovações educacionais, mas a rigor a substituição de antigas tecnologias como o quadro-negro, o caderno, o giz etc., que necessariamente não necessitam serem excluídos a título de inovação educacional.

Da leitura de Pacheco (2019), inferimos que as inovações na educação devem representar sobretudo quebra de paradigmas educacionais, ou seja, de pouco ou nada adianta substituir o quadro-negro por uma louça eletrônica se o que se pretende é dar uma aula meramente expositiva. Nesse contexto, importa destacar também que, segundo o autor, inovação educacional é um fazer coletivo que desafia o isolacionismo das disciplinas singulares e do fazer docente tradicional, o que envolve contextualização, interdisciplinaridade e possíveis conflitos que podem representar um espaço privilegiado de atuação dos Orientadores Educacionais.

2 A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL

A Orientação Educacional é um serviço especializado, desempenhado pelo Pedagogo-Orientador Educacional1, o qual integra a equipe pedagógica da escola (DISTRITO FEDERAL, 2019). A função foi regulamentada provisoriamente por meio da Portaria nº 105/1958 do Ministério da Educação – MEC e posteriormente pela primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024/1961 (PASCOAL; HONORATO; ALBUQUERQUE, 2008).

Compete ao Orientador Educacional no âmbito da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal – SEEDF, entre outras incumbências, “viabilizar o trabalho coletivo, criando e organizando mecanismos de participação em programas e projetos educacionais, facilitando o processo comunicativo entre a comunidade escolar e as associações a ela vinculadas” (DISTRITO FEDERAL, 2013, p. 8). Não compete necessariamente a esse profissional a iniciativa da inovação educacional no sentido amplo defendido por Pacheco (2019), porém em decorrência das funções institucionais previstas é de se esperar sua participação ativa em projetos dessa natureza.

Art. 127. A atuação do Pedagogo-Orientador Educacional deve partir do princípio da ação coletiva, contextualizada, integrada ao Projeto Político Pedagógico - PPP, visando à aprendizagem e ao desenvolvimento integral do estudante como ser autônomo, crítico, participativo, criativo e protagonista, capaz de interagir no meio social e escolar e de exercer sua cidadania com responsabilidade. (DISTRITO FEDERAL, 2019, p. 59)

A atuação do Orientador Educacional está intimamente ligada a gestão democrática da escola, que contraditoriamente em nossa Constituição Federal (BRASIL, 1988) é limitada ao ensino público, o que se traduz num projeto dual de sociedade, agravado ainda por Projetos de Lei (PL) destinados a formalização do ensino domiciliar (PL 3179/2012 e PL 3261/2015 – Câmara dos Deputados; PL 2401/2019 – Executivo Federal; PL 356/2019 e PL 1167/2020 – Câmara Legislativa do Distrito Federal; PL 1268/2020 – Governo do Distrito Federal)2. É provável que os autores de tais projetos os tenham como inovação educacional, entretanto resgatam valores e práticas do Brasil do século XIX:

No que refere-se ao envio dos filhos, as leis de obrigatoriedade escolar definiam como responsabilidade das famílias (ou dos tutores) a sua educação, tanto através do envio da população em idade escolar à instituição (sob pena de pagamento de multa, em caso de descumprimento), como facultando-se a oferta da instrução pelos responsáveis, através da educação doméstica. [...].

Por outro lado, as camadas superiores muitas vezes recusavam-se a enviar seus filhos para a escola pública, como apontado acima no texto. Neste caso, a escola elementar competia com outros agentes e espaços na formação da criança, como os colégios particulares e o recurso a tutores pagos. (GOUVÊA, 2007, p. 135)

O campo de atuação do Orientador Educacional é bastante vasto, bem como sujeito a uma normatização variável segundo o sistema de ensino em que se encontra inserido, porém, a título de exemplo, podemos resumir a síntese de Pascoal, Honorato e Albuquerque (2008) segundo os quais compete a esse profissional, em linhas gerais: participar da construção coletiva de caminhos para a criação de condições facilitadoras e desejáveis ao bom desenvolvimento do trabalho pedagógico; desenvolver a consciência crítica do estudante por meio da problematização do contexto sociopolítico, econômico e cultural em que vivemos; contribuir para a aproximação entre a escola e a família por meio de projetos culturais; compreender o modo de vida, os interesses, as aspirações, as necessidades, as conquistas da comunidade promovendo o apoio da escola nessas questões; discutir temas presentes na sociedade brasileira e mundial, como a corrupção, os atos de terrorismo, a violência urbana etc.; atuando assim como interlocutor entre o estudante, a escola, a família, a comunidade e a sociedade. Apesar da importância desse profissional, os pesquisadores constataram a sua presença nas redes de ensino de apenas 13 das 27 unidades federativas pesquisadas: Norte: Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá e Tocantins; Nordeste: Piauí e Paraíba; Centro-Oeste: Distrito Federal; Sul: Rio Grande do Sul e Paraná; Sudeste: Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.

3 O DESEJÁVEL, A REALIDADE E O MELHOR POSSÍVEL

Pacheco (2019) apresenta sua experiência na Escola da Ponte como um caso concreto de inovação: um trabalho coletivo, interdisciplinar, contextualizado, que não se limitou a adoção de novas técnicas, tecnologias ou a mixagem da escola autoritária com a libertária, mas algo efetivamente novo. Poderíamos dizer que esse modelo coloca-se na contramão da realidade educacional brasileira que está dada pela legislação e pela normatização do MEC e dos sistemas estaduais e municipais de ensino, e assim sendo a Escola da Ponte configura uma heterotopia de ilusão ou de compensação, conforme definidas por Gallo (2009), a exemplo da Escuela Moderna de Barcelona, citada pelo autor, ou da Comunidade de Aprendizagem do Paranoá – CAP, inaugurada em 2018 no Distrito Federal. Esses são espaços que poderíamos classificar como desejáveis, porém utópicos se considerarmos a realidade dos sistemas de ensino como um todo e a resiliência das relações assimétricas na educação.

Entre o desjável, que poucos ousaram materializar, e a realidade da escola segmentada e classificatória que nos é dada pela burocracia educacional, situa-se a possibilidade da justaposição de heterotopias múltiplas, conforme idealizadas por Gallo (2009):

[..] podemos também pensar e produzir experiências escolares heterotópicas em outra direção. Como Foucault afirmou que as heterotopias são multiplicidades, na medida em que justapõem, num único lugar, vários espaços distintos, que são incompatíveis entre si, gosto de pensar na possibilidade de criação de heterotopias no tópico. Isto é, a criação de espaços outros de relações instituintes e criativas, no espaço instituído (tópico). (GALLO, 2009, p. 295)

Acreditamos que esse seja o lugar de fala do Orientador Educacional: o de mediador entre o ideal e o melhor possível, para que a escola não siga em frente “como sempre foi”, e no aguardo de inovações educacionais que só ocorrerão por iniciativas da própria escola.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos ao longo do texto resgatar alguns conceitos de modo a estabelecer relações entre a Orientação Educacional e a inovação educacional, que embora não seja oficialmente papel atribuído ao Orientador Educacional, entendemos ser compromisso ético desse profissional com a educação, uma vez que não encontra-se submetido ao cumprimento de um currículo (PASCOAL; HONORATO; ALBUQUERQUE, 2008) destinado ao alcance de metas mensuráveis em avaliações locais, nacionais e internacionais, como é o caso dos professores, pode atuar de modo mais proativo na consecução de práticas instituintes que estabeleçam uma melhor sintonia entre os estudantes, a escola e a comunidade em que se encontra inserida.

1 Nomenclatura adotada no âmbito do Distrito Federal.

2 Ao iniciar essa pesquisa não tínhamos noção do quanto esse tema é objeto de disputa nas arenas políticas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 2 dez. 2020.

DISTRITO FEDERAL. SEEDF- Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Regimento da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal – Subseção II: Da Orientação Educacional. Brasília, DF, 2019. Pp. 59-62.

DISTRITO FEDERAL. SEEDF. Portaria conjunta SEAP/SE n° 05, de 11 de setembro de 2013. Atribuições do cargo Pedagogo – Orientador Educacional da carreira Magistério Público do Distrito Federal. Publicada no DODF 193, de 17 de setembro de 2013, p. 8. Disponível em: http://www.buriti.df.gov.br/ftp/diariooficial/2013/09_Setembro/DODF Nº 193 17-09-2013/Seção01- 193.pdf. Acesso em: 2 dez. 2020.

GALLO, S. “Heterotopias no espaço educacional: repensando as relações de poder nas práticas pedagógicas”. In: MARTINS, A.; BONATO, N. (orgs.). Trajetórias históricas da educação. Rio de Janeiro: Rovelle, 2009.

GOUVÊA, Maria Cristina Soares de. A escolarização da criança brasileira no século XIX: apontamentos para uma re-escrita. Revista Educação em Questão, v. 28, n. 14, 2007. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/educacaoemquestao/article/view/4467/3658. Acesso em: 2 dez. 2020.

O RAPPA. Minha Alma (A Paz Que Eu Não Quero). Disponível em: https://www.letras.mus.br/o-rappa/28945/. Acesso em: 2 dez. 2020.

PACHECO, J. Inovar é um compromisso ético com a educação. Petrópolis: Vozes, 2019.

PASCOAL, Miriam; HONORATO, Eliane Costa; ALBUQUERQUE, Fabiana Aparecida de. O orientador educacional no Brasil. Educação em Revista, n. 47, p. 101-120, 2008. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/edur/n47/06.pdf. Acesso em: 2 nov. 2020.