Foto: BUARQUE, Cristovam; SALGADO, Sebastião. O Berço da desigualdade. Fundação Santillana, 2006.
Foto: BUARQUE, Cristovam; SALGADO, Sebastião. O Berço da desigualdade. Fundação Santillana, 2006.
ESPERANÇA VERSUS DESENCANTO NA ATIVIDADE DOCENTE
"É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…"
RESUMO: O desencanto, segundo Pablo Gentili e Chico Alencar, em sua obra intitulada Educar na Esperança em Tempos de Desencanto, significa desilusão, perda de expectativas, decepção e, de uma certa maneira, crise do pensamento utópico (GENTILI; ALENCAR, 2012), ainda de acordo com os autores o campo educacional também sofre com o desencantamento presente em nossa sociedade, como não poderia deixar de ser. Utilizando-se como metodologia uma pesquisa bibliográfica, centrada no livro supramencionado, o presente trabalho objetivou entender o atual quadro de desencantamento da educação brasileira e propor possíveis alternativas para a solução desse grave problema. Por fim, concluímos que a mudança de atitude dos educadores e da sociedade em geral, consubstanciadas em ações concretas de pressão política sobre as autoridades públicas, pode materializar o que chamamos singelamente de esperança.
Palavras-chave: Esperança, Desencanto, Educação.
1- INTRODUÇÃO
O exercício da docência, mais do que de qualquer outra profissão, necessita do encantamento de seus atores, sejam educadores, funcionários administrativos ou de apoio. Todos precisam se sentir parte de uma tarefa nobre que é a de formar os futuros cidadãos de uma nação, posto que independente do futuro planejado para as crianças, todas passarão invariavelmente pelas instituições de ensino, desde que não façam parte de uma legião de excluídos socialmente, em que pese que a exclusão por vezes também ocorre dentro da escola. Mas infelizmente esse desejável encantamento é cada vez mais raro, e isso normalmente deriva de questões financeiras, em decorrência dos baixos salários, questões administrativas, devido à falta de infraestrutura adequada, e principalmente pela má gestão do ensino pelos agentes do Estado por meio de reformas estanques aos anseios e necessidades da sociedade.
2- DESENCANTO: CENÁRIOS, CONSEQUÊNCIAS E ALTERNATIVAS
Conforme visto, o desencantamento surge a partir de diversas contingências que se apresentam aos profissionais da educação. Com o objetivo de compreender essa realidade examinaremos alguns cenários que revelam o desencanto vigente na educação sob a ótica da obra literária em foco e, na sequência, possíveis alternativas a esse desencantamento.
2.1- Cenários de desencanto
Como primeiro cenário que configura o atual estado de desencantamento de nossa sociedade podemos citar a falta de esperança e expectativas aparentemente crescente no seio da nossa juventude, referida por Gentili e Alencar (2012) como anomia juvenil, a qual podemos conceituar como sendo um estado de falta de objetivos e regras e de perda de identidade, provocado pelas intensas transformações sociais do mundo moderno.
Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (SIS 2016), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada na mídia em dezembro de 2016, o percentual de jovens que não estudam nem trabalham e que compõe a chamada geração “nem nem”, passou de 20% para 22,5% no comparativo entre os anos de 2014/2015, representando quase um quarto do total de jovens brasileiros.
Conforme destacam Gentili e Alencar (2012) os defensores da escola pública alegam que a mesma encontra-se ameaçada pelas políticas de ajuste e privatização promovidas pelos governos neoliberais e que, como resultados disso, os pobres têm que conformar-se com escolas pobres, enquanto os ricos mantêm o privilégio de escolas ricas, simplesmente pelo fato de poderem pagá-las, o que segundo eles estabelece uma verdadeira inclusão excludente, ou seja, aumentar as oportunidades de acesso à escola não implica necessariamente promover o acesso à educação de mesmo nível.
Iniciativas como o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) e o Programa Universidade para Todos (PROUNI), que visam suprir a carência de vagas nas universidades públicas parecem surtir efeito contrário promovendo o sucateamento destas últimas.
Outro fator que podemos destacar no trabalho de Gentili e Alencar (2012) é a alegada piora do sistema educacional por meio de reformas pouco participativas, as quais não são submetidas à apreciação pública, como se interessassem apenas aos “especialistas”, aos “experts”.
Recentemente, em setembro de 2016, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Medida Provisória nº 746/2016, convertida na Lei nº 13.415/2017 que traz profundas reformas ao ensino médio. O site do Senado Federal registra que “Senadores da oposição criticaram o fato de que a reforma foi feita por meio de medida provisória, sem debates com professores, alunos, especialistas ou sociedade em geral. Foi questionado também como municípios e estados financiarão o ensino integral.”; o que demonstra que aquilo que foi dito pelos autores em 2012, ainda é a realidade dos dias atuais.
2.2- Consequências do desencanto
Como consequências desse cenário desolador da educação brasileira podemos destacar a grande evasão escolar e o seu equivalente docente, a síndrome de burnout.
O Dr. Drauzio Varella, renomado médico oncologista, cientista e escritor brasileiro, em seu site, define a síndrome de burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional, como sendo um distúrbio psíquico, caracterizado por um estado de tensão emocional e estresse crônicos provocado por condições de trabalho físicas, emocionais e psicológicas desgastantes, a qual atinge principalmente pessoas cuja profissão exige envolvimento interpessoal direto e intenso, como os profissionais das áreas de educação, saúde, assistência social, recursos humanos, agentes penitenciários, bombeiros, policiais e mulheres que enfrentam dupla jornada de trabalho. Gentili e Alencar (2012) destacam que:
Para além das especulações, o certo é que aqueles que fazem da educação seu meio de vida enfrentam hoje alguns problemas que vão mais longe do que a evidente e brutal deterioração das condições salariais. Investigações recentes demonstram que a piora progressiva das condições de trabalho docente tem criado um novo tipo de síndrome que afeta os trabalhadores e as trabalhadoras da educação: o burnout, também conhecido como síndrome da desistência. [...] (GENTILI; ALENCAR, 2012, p. 18/19, grifo dos autores).
A desistência, conforme referida por Gentili e Alencar (2012), denota o resultado do desencanto decorrente de uma batalha aparentemente perdida contra situações adversas que vão desde as contingências financeiras até a aparente incapacidade de aprendizado dos educandos, esta por fatores que transcendem o raio de ação dos educadores e que não dizem respeito necessariamente à incapacidade intelectual, mas as mais diversas contingências, as quais em geral, levarão a evasão escolar.
No Brasil, a evasão escolar é um grande desafio para as escolas, pais e para o sistema educacional. Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), em 2007, 4,8% dos alunos matriculados no Ensino Fundamental abandonaram a escola. Embora o índice pareça pequeno, corresponde a quase um milhão e meio de estudantes. No mesmo ano, 13,2% dos alunos que cursavam o Ensino Médio abandonaram a escola, o que corresponde a pouco mais de um milhão de jovens.
As causas da evasão escolar são as mais variadas, segundo a pesquisa do INEP, e dentre as principais podemos citar:
Nos anos iniciais do ensino fundamental: grandes distâncias entre a casa e a escola, falta de transporte escolar ou mesmo público e de adultos para acompanhar, perda do interesse e ainda doenças/dificuldades de aprendizado.
A partir dos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio: necessidade de ajudar os pais em casa ou no trabalho, necessidade de trabalhar, perda do interesse e até mesmo proibição dos pais de ir à escola.
2.3- Possíveis alternativas ao desencanto
O docente encontra-se no centro dessa problemática e muitas vezes ou quase sempre é posto como seu principal responsável, o que se mostra totalmente injusto. Nenhum profissional pode produzir bons resultados fora das condições adequadas de trabalho e tal exposição pode levar invariavelmente ao esgotamento físico, mental e emocional. Assim sendo, da parte dos docentes cabe, além de manter a fé em sua elevada missão de educar, como exaltado por Gentili e Alencar (2012), enxergar-se sempre como um profissional, o qual necessita de aperfeiçoamento constante, engajamento pela melhoria das condições de trabalho e por vezes apoio de profissionais de saúde para prevenção e tratamento de enfermidades, sobretudo o burnout.
À sociedade em geral, principalmente aos pais e aos alunos que estejam habilitados para exercerem sua cidadania por meio do voto, cabe participarem ativamente das decisões políticas afetas a educação e do próprio processo educacional em si.
3- CONCLUSÃO
O estado de desencanto que se verifica no sistema educacional brasileiro remonta algumas décadas e é decorrente, sobretudo da falta de interesse da classe política de promover reformas que atendam aos anseios e necessidades da sociedade.
Como consequências práticas verificam-se a evasão escolar e a desistência dos docentes, muitos antes mesmo de concluírem o curso de formação.
A mudança de atitude dos educadores e da sociedade em geral exercendo pressão política sobre as autoridades públicas consubstanciam ações concretas possíveis de reversão dessa situação.
REFERÊNCIAS
GENTILI, PABLO; ALENCAR, CHICO. Educar na esperança em tempos de desencanto. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
http://g1.globo.com/economia/noticia/geracao-que-nao-trabalha-nem-estuda-aumenta-em-2015.ghtml. Acesso em: 6 jun. 2017.
http://www.infoescola.com/educacao/evasao-escolar/. Acesso em: 6 jun. 2017.
https://drauziovarella.com.br/doencas-e-sintomas/sindrome-de-burnout/. Acesso em: 6 jun. 2017.
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/02/16/sancionada-lei-da-reforma-no-ensino-medio. Acesso em: 6 jun. 2017.